O que se entende por adoção de crianças e adolescentes? Trata-se do estabelecimento de vínculos de filiação entre uma família e aquele/a nascido/a em outra família, dita natural ou de origem. Esses vínculos recobrem-se de uma veste legal e definitiva que redesenha toda a relação genealógica do adotado. Essa nova configuração alcança não apenas o núcleo familiar adotivo, mas também sua relação com a família extensa e com a família de origem, desligando-o de qualquer vínculo com a última, salvo quanto aos impedimentos matrimoniais, que permanecem. Uma vez tendo sido seguidas as exigências legais e havido a publicação da sentença judicial, a adoção é irrevogável, culminando na expedição de nova certidão de nascimento, sem menção à anterior, refletindo a nova teia familiar criada: pais e avós passam a ser, desde sempre, os que no documento aparecem como tais.
A descrição acima sugere como, em geral, a adoção está calcada em um sistema de pertencimento exclusivo: tendo havido esse tipo de colocação em família substituta, corta-se, formalmente, quase que todos os vínculos com a família de origem. Todavia, quanto a isso, Yngvesson (2010) aponta um horizonte importante no qual se revela uma aporia. Na mesma medida em que as legislações relativas à adoção calcam-se, via de regra, em um sistema de pertencimentos exclusivos, o discurso de adotados revela experiências de não pertencimento que moldariam suas vidas (Yngvesson, 2010). Esse tipo de experiência que variaria enormemente em grau ou intensidade assumiria por vezes a expressão de uma busca das origens, empreendida, ou desejada, por aqueles que foram adotados. A exigência de pertencimento exclusivo tem como resposta a impossibilidade de sua realização.
Na mesma medida em que as legislações relativas à adoção calcam-se, via de regra, em um sistema de pertencimentos exclusivos, o discurso de adotados revela experiências de não pertencimento que moldariam suas vidas (Yngvesson, 2010)
Curiosamente essa busca não alcança muitas vezes os canais formais. Seja devido à ilegalidade da adoção consumada, seja devido à falta de informação dessa possibilidade ou sobre a família de origem, seja ainda por conta de eventual falta de protocolo nas instituições envolvidas a fim de que essa demanda seja recebida com facilidade. Assim, a busca das origens, o que significaria, como ocorre e é transmitida, é analisada aqui com base em pesquisa qualitativa que se valeu de levantamento bibliográfico e documental. Esse levantamento teve por foco aspectos da adoção nacional e da internacional, legislações e filmes que retratam a procura de informações sobre o passado pré-adotivo, alguns dos quais realizados por aqueles que foram adotados. Referências oriundas do campo das humanidades são mobilizadas para analisar a relação entre identidade, adoção e busca das origens.
Origem e pertencimento
No rastro de Yngvesson (2010), pode-se então estar advertido de que na adoção exigências normativas denotariam a necessária exclusividade de pertencimento a uma única família, com o rompimento legal dos vínculos com a família de origem. Contudo, a resposta de alguns adotados a essa exigência revelaria a impossibilidade de cumprimento dessa norma. Essa exclusividade de pertencimento traduz-se no Brasil nas linhas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), legislação brasileira que regula a adoção de crianças e adolescentes. Isso pode ser notado, como apontado acima, na determinação de que uma vez o processo de adoção tenha sido concluído, e a respectiva sentença judicial exarada, todos os vínculos com a família natural encontrem-se rompidos, salvo para os impedimentos matrimoniais (Fonseca, 2006).
a resposta de alguns adotados a essa exigência revelaria a impossibilidade de cumprimento dessa norma. Essa exclusividade de pertencimento traduz-se no Brasil nas linhas do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), legislação brasileira que regula a adoção de crianças e adolescentes.
Em que pese, no Brasil, a falta de visibilidade para a demanda de adotados sobre a busca de informações relativas a seu passado, ou mesmo sobre a experiência adotiva, esse quadro não é o mesmo encontrado em outros países. Raros trabalhos aqui têm por foco esse campo, como o de Camargo (2012), que realiza a apresentação da experiência de parentalidade de adultos adotados, construída com base em entrevistas. No exterior, o Child Welfare Information Gateway (2013) deteve-se em comentários sobre a importância desse tipo de iniciativa. Da mesma forma, Brodzinsky, Scheter e Henig (1993) realizaram um já clássico estudo com base em testemunhos de adotados e de pais adotivos, construindo, com as palavras dessas personagens um panorama sobre os efeitos da adoção na vida dos envolvidos nela. Esse estudo possui um título sugestivo: Being Adopted — The Lifelong Search for Self.