Georges Bataille: Key concepts

Hewson e Coehn estão à frente de um ótimo livro para quem deseja aproximar-se do pensamento de Georges Bataille ou retomá-lo de modo estruturado. A publicação que eles editam conta com um número considerável de colaboradores: Giulia Agostini, Elisabeth Arnould-Bloomfield, Tiina Arppe, Marcus Coelen, Simonetta Falasca-Zamponi, Patrick ffrench, Marina Galletti, Nadine Hartmann, Mark Hewson, Andrew Hussey, Stuart Kendall, Claire Nioche, Gerhard Poppenberg e Michèle Richman. Além disso, o livro cobre os principais conceitos utilizados por Bataille, percorrendo tanto seus trabalhos literários como seus ensaios. O que se segue é um recorte de fragmentos do livro, em livre tradução, com eventuais complementos, a título de se prestar a um resumo dos principais pontos destacados no texto.

De modo variado, os capítulos alinham muito bem a análise conceitual e temática com aspectos biográficos de Bataille, mostrando o contexto histórico de sua vida e sua errância entre grupos, exercícios ascéticos, intelectuais e literários. Não há, por conta do método empregado, a pretensão de reduzir a produção de Bataille a aspectos de sua vida ou à conjuntura histórica. A introdução fornece um panorama geral do pensamento de Bataille e dos seus diferentes modos de expressão, dialogando com o detalhamento que os capítulos subsequentes realizam.

A primeira parte é composta de capítulos dedicados a temas caros a Bataille, tais como o social, o político, o artístico e o filosófico; a segunda parte dedica-se a conceitos que se mostram de vital importância para ele: arte, erotismo, mal, experiência interior, heterologia, religião, sacrifício, soberania. O último capítulo é dedicado aos textos literários de Bataille.

Como a introdução do livro recorda, Georges Bataille (1997–1962) foi filósofo, escritor e crítico literário, cujos trabalhos tiveram ampla repercussão em disciplinas diversas, tais como filosofia, sociologia, economia, história da arte e crítica literária. Ao mesmo tempo, figuras importantes como Derrida e Foucault foram claramente influenciadas por ele, de uma maneira ou outra, explicitando em diferentes momentos essa importância. Bataille está na base do que se denomina pós-estruturalismo. Ele também trabalhou na Biblioteca Nacional da França e acabou por ser o guardião de manuscritos de Walter Benjamin.

Hewson e Coehn assinalam que a influência de Bataille não cessou com o tempo, mostrando-se ainda hoje mais atual do que nunca. Agamben e Nancy são dois nomes que, em certa medida, podem ser invocados como exemplos da importância da presença de Bataille no cenário atual. A leitura do livro ensina que os escritos de Bataille são caracterizados pela frequente referência à etnografia e à história das religiões. Nessa perspectiva, Mauss e Durkheim são autores com os quais Bataille dialoga constantemente.

O capítulo dedicado ao conceito de heterologia é muito bem escrito e bastante importante. Trata-se do que Bataille propôs como uma ciência do resto, do inassimilável. Ou, ainda, ciência do outro, relacionado tanto a agios (sagrado, maldito) como a scor (excrementos). Na biografia que dedica a Lacan, Roudinesco detém-se por algumas páginas a comentar a presença oculta do pensamento de Bataille em Lacan, em particular no que se refere precisamente ao conceito de heterologia.

Os textos The use of D.A.F. Sade e The psychological structure of fascism são apontados como referências importantes para o estudo do conceito de heterologia. Do mesmo modo, o segundo volume das obras completas de Bataille igualmente o é, havendo ali dossiê com reflexões não publicadas anteriormente sobre o conceito de heterologia.

Outro conceito que aparece com destaque no livro é o de comunidade, o qual vem tendo ampla repercussão em uma série de autores que dialogam com Bataille, tais como Jean-Luc Nancy, Agamben, Blanchot, dentre outros. Aponta-se que Bataille tinha particular interesse pelas primeiras comunidades cristãs, as quais, de certo modo, teriam servido de modelo para a experiência posta em prática na revista Acéfalo, que era também um grupo esotérico do qual Bataille fazia parte. A editora Cultura e Barbárie publicou em português todos os números lançados na década de 1930 da revista Acéphale. É ressaltado que a comunidade seria a experiência constitutiva da existência humana para Bataille, o que delineia sua oposição à metafísica da subjetividade que, por sua vez, teria corroído o conceito de comunidade.

Em Bataille, comunidade e soberania devem ser interpretadas conjuntamente, ambas seriam tributárias de uma partilha da existência. A soberania denotaria a relação interna entre o homem e seu desejo, expressando o gozo do abandono ao objeto de desejo, perda de si. Se para Bataille a soberania real libertaria a existência humana das amarras da necessidade, ao mesmo tempo ele recorda que soberania é nada.

A ideia de transgressão em Bataille marca a passagem do campo da necessidade para o da abundância, que traduz o produto do trabalho humano. A transgressão também revela noções importantes e presentes no pensamento de Bataille, tais como erotismo, desejo, medo, arte e sacrifício. A transgressão marca o momento em que a necessidade é transformada em abundância e os produtos do trabalho humano são sacrificados. Para Bataille, o traço distintivo do sacrifício não é o assassinato ou a morte, mas o deixar ir, o abandono. O sacrifício seria um modo de produção ou manifestação do sagrado.

No rastro dos comentários sobre o conceito de comunidade, encontra-se o de comunicação, associação também bastante explorada por Nancy. Trata-se de termo que designa em Bataille todas as formas pelas quais o indivíduo move-se para fora de si mesmo, abrindo-se para o outro. Do mesmo modo, o riso, o sacrifício, também seriam formas de experiência de perder-se de si mesmo. O riso, em particular, expressaria, simultaneamente, contágio, cumplicidade, amizade.

A experiência interior, tema explorado por Bataille, revelaria o paradoxo da experiência mística. Isso porque ela implicaria estar fora de si mesmo, tal como ilustrado na novela Madame Edwarda. A experiência interior começa com o vazio da não totalidade, com um tipo de esvaziamento da subjetividade na relação com a comunidade. Esse esvaziamento é também um dos modos de expressão do princípio da insuficiência, o qual aponta nossa tentativa, sempre frustrada, de “completar o ser”. A experiência interior é a transformação do eu em uma substância divina. Ela é constituída por uma experiência singular, composta de angústia e êxtase. A experiência interior começa com o vazio da não-totalidade, em si mesma desprovida de conteúdo.

O tema do místico ou misticismo é presente também no livro e no pensamento de Bataille de ponta a ponta. Trata-se de um misticismo profano, impossível, que não pode ser explicado por uma causa. Esse enquadramento é acompanhado por uma interrogação no livro: pode haver um misticismo sem Deus, uma iluminação profana, tal como notado nas palavras de Benjamin?

A ideia de revolução em Bataille, explorada no livro, está associada à possibilidade de transição de uma economia restrita em uma sociedade capitalista, dominada pelo princípio da utilidade, para uma economia geral, economia solar, fundada no reconhecimento do gasto improdutivo como processo geral central de todas as sociedades. A parte maldita, a noção de despesa, são títulos que guiarão a letra de Bataille na tentativa de desenhar o funcionamento dessa economia geral e suas repercussões.


Hewson, M. & Coehn, M. (2016). Georges Bataille: Key concepts. London: Routledge.

Publicado originalmente em Cartas do Litoral

Sexo, religião e política

Bernardo Carvalho escreve sobre Bataille, em setembro/2014.

[…] Num artigo publicado em 1933–34 com o título “A estrutura psicológica do fascismo”, ele enumera três “formas imperativas” de autoridade fascista: a religiosa, a real (do rei) e a militar. Em sua ficção, ele avança contra as três, mas é com a religiosa que ele bate de frente. Hoje, tudo indica que a autoridade religiosa tomou a dianteira, com a disseminação dos fundamentalismos. O problema é que a religião costuma ser moralmente justificável até segunda ordem; ela é considerada “inofensiva” até passar a se imiscuir na política e a almejar o poder (o que ela acabará tentando, sempre, onde não houver leis para proteger o Estado laico), para poder impor seus valores não apenas aos crentes, mas aos cidadãos transformados em fiéis. O perigo surge na hora em que tentam nos convencer de que a religião está circunscrita ao âmbito de suas funções e especificidades (assim como o militar no quartel, o religioso na igreja) e quando nos damos conta, já é tarde, já estamos submetidos ao poder irracional dos representantes de Deus, sob suas ordens e seus comandos, sem nem ter que entrar em igreja nenhuma.

Leia o artigo completo:

Sexo, religião e política

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