‘Una’: quando o presente encena o passado impossível

Das insuspeitas violências que repousam sob rótulos estabelecidos

Una é uma produção cinematográfica do Canadá, da Inglaterra e dos EUA, dirigida por Benedict Andrews, baseada na peça Blackbird, de David Harrower.

As cenas iniciais do filme intercalam a apresentação de uma menina em sua vizinhança e de uma jovem que vaga pela noite, dançando em boates, praticando sexo casual antes de retornar ao seu lar.

A narrativa sugere a experiência de uma situação-limite vivida no passado, provavelmente de natureza sexual, girando ao redor do mesmo local onde a jovem ainda vive. O presente aparece esmaecido, à luz das lembranças da infância. Descobre-se que a jovem chama-se Una.

Na sequência, Una parte em busca de alguém, calcada em uma pista cuja narrativa nos faz crer referir-se a algo importante para ela. A chegada em uma fábrica, depois de uma longa jornada, é acompanhada de certa hesitação, da avaliação do lugar, do estabelecimento da tática a ser adotada na aproximação, e de indagações acerca de um nome que não é ali conhecido de imediato.

A foto que ela porta, que teria servido para o início de sua busca, permite o reconhecimento daquele que ela procura. Um novo nome é citado em resposta às perguntas de Una, não correspondendo àquele que ela conhecia. Todavia, confirma-se que os diferentes nomes associam-se a mesma pessoa.

 

O filme continua intercalando cenas do passado e do presente, mostrando em que medida teria ocorrido o envolvimento entre aqueles que estarão em instantes frente a frente, ambos adultos agora, Pete, que foi um dia Ray, e Una. A imagem do homem de 40 e da adolescente de 13 anos também está ali. A distância entre a lembrança e a percepção insinua a dificuldade da tentativa de entender o que se passou.

O encontro entre ambos é difícil. Ele não a reconhece, de início. Em seguida, aparenta não acreditar, nega quem foi, recusa ver nela a menina de outrora. Reconhecem-se, por fim. Ela quer respostas; ele, distância do passado que significou seu encarceramento, a mudança de seu nome e o recomeço, quatro anos antes, em uma nova comunidade. Casado, ele comporia uma família cuja companheira saberia de seus percalços. Uma tensão persiste e o contato de um com o outro insinua a dúvida inicial sobre o seu significado: fazer do passado o presente ou reconhecer o fosso que os separa? Entender o que ocorreu? Dar nome ao sentimento que existiu? Acerto de contas? Vingança?

Se a narrativa explicita o tema da violência sexual, com acusações, defesas e negações, ela também expressa por seus personagens a difícil linha que por vezes se apaga entre o que seria violência e o que deixaria de sê-lo. Ou, ao menos, quanto ao que exatamente seria violência para o sujeito que a experimenta.

A demanda de reparação de Una aparenta apoiar-se na tentativa de entender os motivos de seu abandono pelo homem que amou e o turbilhão que tomou sua vida a partir da experiência amorosa fracassada, inclusive da devastação que teria varrido sua família. O homem busca diferenciar-se do que seria o estereótipo do pedófilo e se mostra dividido ante a jovem que o faz lembrar da menina que um dia ela foi, da vida que imaginaram poder construir. Ele agora seria um outro, mas até que ponto? As palavras dele e dela (re)constroem um passado no qual o abandono acabou por ser fruto do acaso, mais do que tudo um desencontro, apoiado nos temores e desejos que marcavam cada um desses personagens nas lembranças que nos apresentam.

No final, quando a persistência do (des)encontro atinge seu clímax, ali mais uma vez a atualização do passado que poderia ter sido mostra-se impossível. Uma fratura revela-se como o resto que perdura de um tempo a outro. Brecha pela qual a experiência anterior vive em cada um dos personagens, indissociável da ruptura que os liga. A distância insuperável acaba por se repetir, deixando um rastro que segue os personagens nos caminhos que acabam por trilhar. As palavras recém-descobertas, contudo, talvez desenhem para um e outro a possibilidade de novos começos. Una se afasta aos poucos perdendo-se na noite; Pete (ou Ray?) retorna para sua família. O desconcerto predomina.


Em uma breve passagem do filme acompanhamos o testemunho de Una no julgamento, quando era adolescente. Observa-se que certos procedimentos, devido à idade dela, foram adotados. Una não está na sala de audiências, mas em uma sala própria, distante do acusado e dos demais personagens típicos do universo judicial. Seu testemunho é transmitido ao juiz por um circuito interno de TV. A distância, Una interpela Ray, interroga o amor que ele deveria sentir por ela, questiona o abandono que vive. Na sala de onde Una testemunha, uma pessoa a acompanha, silenciosamente. Esse cenário apresenta uma das possibilidades de tomada de depoimento de crianças e adolescentes, recurso utilizado, com algumas diferenças, em muitos países, inclusive no Brasil. No nosso caso, o conjunto de procedimentos voltado para esse tipo de tomada de testemunho denomina-se ‘depoimento especial’. Recentemente foi promulgada lei no Brasil com o objetivo de criar parâmetros para essa prática, bem como estabelecer o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência.


Publicado originalmente em Cartas do Litoral.

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